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segunda-feira, 24 de agosto de 2020

AS NOITES TROPICAIS DE NELSON MOTTA

Sérgio Santos da Silva

Concluí hoje a leitura de Noites tropicais, de Nelson Motta, um livro sem dúvida interessante e gostoso de ler, como são os textos do autor de Vale Tudo - O som e a fúria de Tim Maia, essa biografia apaixonante do nosso "Little Richard" brasileiro, conforme o cafajeste e carismático agitador cultural Carlos Imperial anunciava a entrada de Tim Maia em seus programas na TV Tupi. Mas se em Vale Tudo Nelson Motta faz um registro bem-humorado da história de vida do nosso rei do soul, em Noites Tropicais, apesar de não abandonar o humor, também se entrega à reflexão, a análise dos fatos vividos e sentidos e à melancolia. Lançado em 2000 pela editora Objetiva, o livro é composto por 464 páginas de uma prosa fácil e envolvente, nas quais o jornalista, produtor, compositor e crítico musical (e outras coisas mais, diga-se) nos leva, por meio do olhar privilegiado de quem participou ativamente de eventos muito importantes, para o vórtice dos principais acontecimentos da moderna música brasileira desde o advento da Bossa Nova, no período JK, até a ascensão da decadente música sertaneja, durante o governo Collor. 

No livro, Nelson Motta segue a linha cronológica dos acontecimentos, sem, contudo, transformar a obra em uma produção jornalística. Sua intenção não é documentar o que aconteceu na música popular brasileira em seus anos mais criativos; em vez disso, é apresentar um registro de memórias de eventos que o moldaram como homem, profissional, marido, pai de família, artista e amante da novidade e da vida. Nessa narrativa eivada de sentimento, o autor em nenhum momento é autoindulgente, nem tenta esconder seus erros, seus julgamentos precipitados ou seus fracassos. De igual forma, também não adere à falsa modéstia, também falando de seus acertos, suas vitórias e sucessos. 

Noites Tropicais é perpassado por histórias de grandes figuras da MPB, sempre pela perspectiva parcial  de seu autor. Uma dessas figuras é Nara Leão, em cujo apartamento Nelson se reunia com muitos dos que despontariam para o sucesso com o estabelecimento da Bossa Nova, especialmente depois do impacto causado pelo disco "Chega de Saudade", do inquestionável mestre João Gilberto. Dessa turma, os mais conhecidos são Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli e Carlos Lyra. Quando fala desses personagens, Nelson os trata com intimidade, com conhecimento de quem era próximo. Embora uma de suas virtudes seja a dedicação ao trabalho e o profissionalismo, sua aproximação dessas pessoas não era meramente profissional; antes, era muito afetiva. Isso porque, para muitas das futuras ou já estabelecidas estrelas, ele era praticamente "da família". Era assim para Elis Regina, com quem teve um malfadado caso amoroso (Na época, ela ainda era casada com seu amigo, o letrista Ronaldo Bôscoli); para Tim Maia, com quem dava altas gargalhadas, acompanhadas de muita maconha; para Marisa Monte, em cuja carreira investiu, alegrando-se e, ao mesmo tempo, entristecendo-se com seu sucesso; para João Gilberto, que certa vez o tirou de casa apenas para passar a noite cantando para esse único e privilegiado ouvinte. Enfim, para muita gente: Raul Seixas, Rita Lee, Marina, Lulu Santos, etc. 

Noites Tropicais é um livro para se ler sem pressa. É um convite para revivermos com Nelson Motta o que apenas ele pôde ver e ouvir, pelo menos da forma como ele viu e ouviu. O mais interessante do livro é que ele não se atém apenas à contação de histórias envolvendo artistas da MPB com quem o autor conviveu e trabalhou. Não podemos esquecer que seu personagem principal é o próprio Nelson, desnudado em cada evento que escolheu retratar em sua obra. Sendo assim, acompanhamos também os vários empreendimentos que ele realizou, como produtor de discos, como sócio de importantes casas de shows, como jurado em programa de TV, como compositor, como diretor artístico, como apresentador do Rock in Rio, como descobridor de talentos... Enfim, como um grande empreendedor e um documento vivo da nossa história cultural. Por essas e tantas outras contribuições, a leitura de seu livro é imprescindível para quem tenha interesse por música brasileira, mercado fonográfico e cultura de massas. Eu recomendo.


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