Edvaldo Santana é nascido e
criado em São Miguel Paulista, periferia de São Paulo, o primeiro de oito
filhos do piauiense Félix e da pernambucana Judite, nordestinos que vieram
tentar a sorte na cidade grande. Os primeiros acordes foram dados no velho
violão do pai no final da década de 60, com influências que vão de Manezinho
Araújo e Jackson do Pandeiro à Torquato Neto, Hendrix e toda contra-cultura que
entra em cena nesse período. A partir daí, Edvaldo participa de vários
festivais estudantis e cria seu primeiro grupo, o Caaxió. É nessa época que a
necessidade de ajudar a família o leva ao seu primeiro emprego numa fábrica de
brinquedos, deixando os finais de semana para os ensaios com a banda, mas
sempre objetivando a profissionalização como músico.
Em 74 no teatro de Arena, o
Caaxió apresenta o show "Casca de vento" com Edvaldo Santana como
cantor e compositor. Os amigos Fernando Teles, Luciano Bongo e Zé Bores
completavam o grupo. Numa época onde a censura era comum, o show teve dez
músicas cortadas do seu repertório. Em meio a batalha pela sobrevivência do
grupo eles conseguem um contrato com a gravadora Top-Tap que impõe a condição
de substituirem o nome do grupo que passa a chamar-se Matéria Prima.
Infelizmente o contrato com a Top-Tap é cancelado logo em seguida, mas o nome
do grupo já modificado se mantém.
Um ano antes da gravação do
primeiro disco do Matéria Prima, Edvaldo conhece Tom Zé que os convida para
acompanhá-lo em alguns shows. O músico destaca esta fase de convivência com Tom
Zé como muito importante para sua formação. O primeiro disco sai pela
Chantecler com a música "Maria Gasolina" sendo muito executada nas
rádios. O grupo consegue espaço na mídia graças ao sucesso e apresenta-se em
programas de grande audiência como Silvio Santos, Flávio Cavalcante e
Fantástico. Edvaldo também participa como cantor e compositor do programa de
Ronald Golias na TV Record, produzido por Arnaud Rodrigues. Em 78 sai o segundo
disco do Matéria Prima pela gravadora CBS, e a música tocada nas rádios agora é
a "Entranhas do Horizonte".
No final dos anos 70 acontece
o ressurgimento dos movimentos populares e sindicais em todo país, com destaque
às greves do ABC, antecedendo e sinalizando a abertura política e o fim da
ditadura militar. Edvaldo, seu grupo e outros amigos músicos, poetas e artistas
plásticos de São Miguel Paulista, atentos aos acontecimentos, resolvem se
mobilizar e criam o Movimento Popular de Arte (MPA) promovendo eventos com
música, teatro, poesia e oficinas de cultura. Foi um movimento espontâneo e
pioneiro que serviu como orientação para muitos outros projetos de casas de
cultura em São Paulo. Severino do Ramo, Pedro Peres, Osnofa, Sacha Arcanjo,
Akira Yamasaki são alguns dos nomes de grande importância no movimento. Nesse
período o grupo Matéria Prima participa de um evento em comemoração pela visita
do Papa João Paulo II ao Brasil tocando para 100 mil pessoas no Morumbi.
No ano de 1985 o MPA, já
reconhecido no meio artístico pelo trabalho que vinha desenvolvendo, grava uma
coletânea com músicos locais no estúdio da Eldorado. São mais de cinco anos de
existência e o movimento começa a apresentar um certo desgaste, conflitos por
interferências políticas partidárias marcam o fim do MPA.
Com o fim do MPA em 86,
Edvaldo Santana parte então para sua carreira solo, vai para o Rio de Janeiro e
se instala no Morro de Santa Tereza onde vive entre o bate bola com a
rapaziada, suas composições e shows com o parceiro Paulo Aueira. É uma fase de
amadurecimento na carreira do músico. Atento à riqueza cultural do Rio,
freqüenta de festas do morro e gafieiras às apresentações da Jazz Sinfônica.
Circula pelo posto 9, ponto de encontro de personagens como Luís Melodia,
Cazuza e Ferreira Gullar. "Sabonete" gravado no disco Lobo Solitário
é dessa época.
Estamos em 89 e Edvaldo
Santana está voltando para São Paulo, pois mesmo morando dois anos no Rio era
na Paulicéia que viviam seus parceiros. Se instala na Avenida Rebouças
dividindo um apartamento com a amiga Soninha. Conhece o poeta curitibano Paulo
Leminski através do amigo e parceiro, também poeta, Ademir Assunção. Estas
parcerias, além das vividas com Tom Zé, Haroldo de Campos e Arnaldo Antunes
marcam sua carreira. Consegue um pré-contrato para gravar um disco com a Warner
que é cancelado com a vinda do Plano Collor.
Desde 80, época em que o
Matéria Prima participava de festivais universitários, Edvaldo mantém um
relacionamento com a futura esposa Sueli, que é de Botucatu. Dessa relação
nasce em 91 sua filha Carolina, e com ela o poema "Cara Carol" que
viria a ser gravado no segundo disco solo. Algumas complicações no estado de
saúde de Carolina (uma pneumonia) levam Edvaldo a fazer uma promessa à Cosme e
Damião que cumpre com fé até hoje. Em agosto de 92, Sueli e Carolina vem de
Botucatu para morarem juntos em São Paulo.
O "Lobo Solitário"
está em seu repertório de shows desde 89 mas só vem a ser gravado em 93 pelo
selo Cameratti. Nesse disco ele conta com Bosco Fonseca, Luís Waack, Marcelo
Farias, Daniel Szafran e participação especial de Bocato, Paulo Le Petit e
André Magalhães com produção do próprio Edvaldo Santana e do Claudio Lucci, que
é do time da Cameratti. O disco é um sucesso de crítica. O Tom Waits da
Paulicéia com seu calo na garganta mistura funk, blues e samba. O lançamento é
no Sesc Pompéia logo seguindo para outras casas de São Paulo e outras cidades.
Infelizmente o selo Cameratti
é limitado na distribuição e na divulgação, e o disco tem dificuldade em chegar
ao grande público. O mercado da música é monopólio das grandes gravadoras e as
rádios estão vinculadas a esse esquema.
O segundo disco
"Ta´assustado?" vem em 95, agora pela gravadora Velas, com a
participação de Duofel e Arnaldo Antunes. Grava o clip da faixa
"Caximbo" no centro da cidade de São Paulo que é trabalhado junto á
MTV Brasil. Show's do "Tá assustado?" percorrem o Brasil junto com
algumas apresentações em festivais de blues, um público já conquistado pelo
músico. É citado no livro "Da lama à fama", de Roberto Muggiatti, sobre
a história do blues, onde o autor tece alguns comentários a respeito do
trabalho de Edvaldo Santana.
Ainda existe uma grande
dificuldade em relação à divulgação do trabalho, mas graças ao prestígio
pessoal do músico, que não depende de gravadora, ele consegue um bom espaço na
imprensa escrita e participa de alguns programas de TV como o
"Ensaio" da Cultura.
O terceiro CD "Edvaldo
Santana" lançado em 2000 com distribuição da Eldorado tem a participação
de Osvaldinho do Acordeon, Fernando Deluque, Titane e Bocato. Algumas músicas
foram executadas pelas rádios Cultura e Eldorado, além de rádios universitárias
e comunitárias. No repertório, "Samba de Trem' abre o cd com Edvaldo
fazendo suas alquimias - nesta faixa ele mistura o samba com seu ritmo
contagiante aos slides da guitarra do blues. Além disso, há uma parceria
inédita com Itamar Assumpção, "Blues Caboclo" e uma gravação
antológica de "Dor Elegante" poema de Paulo Leminski. Destacam-se
ainda "Sem Cena" e "Zensider" composições com letra de
Ademir Assunção. Arnaldo Antunes participa com a letra de "Beija-Flor' que
encerra o álbum.
Em seu novo trabalho
"Amor de Periferia", a sonoridade é marcada pela diversidade: tem
choro, reggae, samba-choro, blues, salsa, mambo-xote. A mistura testemunha a
formação musical de Edvaldo Santana, um filho de músico que ouvia samba, choro
e cantores populares em reuniões domésticas, enquanto escutava um pouco de tudo
fora de casa, de Rolling Stones e Beatles a Roberto Carlos e Altemar Dutra. Por
isso, "Amor de Periferia" é um caldeirão sonoro, temperado com letras
que, acima de tudo, resgatam outros tempos e outros lugares. É o caso da lírica
"Variante", que recupera um episódio biográfico do músico, uma viagem
que fez ao Norte do país quando criança - nessa viagem, um de seus irmãos
morreu a bordo de um vapor no rio São Francisco.
Faixas como "Amor de
Periferia" e "Batelaje" funcionam como crônicas musicais, ao
focalizar cenas do cotidiano e falar de gente que encontra nas pequenas
alegrias e na solidariedade um antídoto contra as agruras do dia-a-dia na
periferia. O disco tem uma série de convidados especiais. O pianista cubano
Yaniel Matos participa das músicas "Choro de outono" e "Cantora
de cabaré". A cantora Zélia Duncan divide os vocais com Edvaldo na faixa
"Desse fruto", enquanto "Batelaje" tem a participação do
Quinteto Preto e Branco e "Guilhotina" tem na guitarra Nuno Mindelis.
E a faixa "O jogador" tem os vocais de um grande admirador do
trabalho de Edvaldo Santana: Lenine.
Edvaldo Santana faz desde
2001 a direção musical da Missa Afro Brasileira,realizada na cidade de
Itu-SP,organizada pela União Negra Ituana,(UNEI),entidade representativa da
comunidade negra da região da Sorocabana.Em 2003, produz o primeiro disco do
violonista caipira de 70 anos,"Ico Almiro".
Em 2004, participa do Show de
abertura do Fórum Mundial de Cultura,no Parque do Ibirapuera,juntamente com Manu
Chao,Gilberto Gil,Marcelo Yuca entre outros .Ainda em 2004, inicia o processo
de criação do novo álbum,"Reserva de Alegria", influenciado pela
cultura dos negros,dos caipiras e de sua formação urbana na periferia de São
Paulo,sem deixar de lado a cultura de seus ancestrais
nordestinos,.Paralelamente grava dois videos clipes com músicas do
cd,"Amor de Pereiferia".O primeiro video foi gravado en 2004,na
,"Favela de Sacadura Cabral",na
cidade de Santo André,com a participação da comunidade local e do grupo,"Quinteto
em Branco e Preto",com direção de Robson Timóteo,Marcelo Montenegro,Albert
Clink e Álvaro Perrone e o segundo vídeo- clipe foi filmado em 35 mm,em 2005,no
campo de futebol da favela de São Remo,periferia da zona oeste de São Paulo,com
a participação de ,"Lenine" e das crianças que jogam futebol na
comunidade,a direção foi de Telso Freire.
Em 2006 é
lançado,"Reserva de Alegria", quinto cd solo do cantor e compositor
paulistano Edvaldo Santana,que é fruto da trajetória do artista que sai da
periferia,trava conhecimentos com outras vertentes da arte, em outros espaços,
equaliza estas informações e leva-as de volta para o seu habitat de origem em
forma de música, fundindo a naturalidade e o suingue de seus ancestrais
nordestinos de negros e índios com a rigidez da disciplina organizacional que
os europeus trouxeram para o Brasil.A mistura de elementos rítmicos,
melódicos,poéticos,convivem lado a lado com a origem mestiça do artista de voz
rouca e coração quente,colocando o caldeirão sonoro que sua música produz em
sintonia com sua história de vida.
Neste álbum Edvaldo tem como
convidados, ”Bocatto,Thayde,Rappin Hood,Chico César”, e foi acompanhado por
músicos que estão ao seu lado há alguns anos,possibilitando a sintonia necessária para a conceituação de
sua obra.
A produção musical ficou
novamente a cargo da parceria entre Edvaldo Santana e o guitarrista Luiz Waack.
Este é Edvaldo Santana. Para
quem quer conhecer o que é a música popular inventiva, sofisticada, singular,
com o amor pela periferia na alma e na voz.
Parceiro de poetas como Leminski,
cantor Edvaldo Santana lança o sétimo CD
Teresa Albuquerque - Correio Brasiliense
Edvaldo Santana é camarada de
Tom Zé e Arnaldo Antunes. Assim como foi de Paulo Leminski, Haroldo de Campos e
Itamar Assumpção (só para citar seus parceiros mais famosos). Cantor e
compositor paulistano que há 35 anos leva a carreira em esquema independente,
ele está lançando seu sétimo disco solo, Jataí, o primeiro em que assina todas
as faixas sozinho. Achava que as letras chamavam a atenção porque eram escritas
pelos parceiros? Que nada. As letras do novo CD (que vem com bela capa do
artista Elifas Andreato) são muito boas. E as "alquimias", como ele
chama as misturas que faz — de blues, reggae, baião, xote, música cubana e o
que mais vier à cabeça — continuam lá, assim como a voz rouca, ainda que em tom
mais suave.
"Jataí tem uma
sonoridade diferente dos outros discos que lancei. É semiacústico, mais baseado
no meu violão. E a voz não está tão alta, dei uma suavizada", compara o
cantor. "Continuo compondo com parceiros, claro. Mas, às vezes, as
parcerias não batem com o momento que estou vivendo e acabam entrando em outro
disco. Desta vez, quis gravar coisas bem minhas. Jataí tem muito do que estou
pensando, do que estou sentindo."
Das 13 faixas, 12 foram
compostas nos últimos dois anos. E quatro são homenagens. Aí Joe, que cita o
Bloomsday (a celebração de Ulysses, o clássico de James Joyce), no Finnegan's
Pub, em São Paulo, é dedicada a Waldir Aguiar, "empresário, agente,
produtor, faz-tudo, grande camarada", morto há um ano e meio. Outras duas
foram feitas para amigos de Itu (SP), onde o cantor vive atualmente: A poda da
rosa, para o jardineiro Valdemar; e Seu Ico, para o poceiro que Edvaldo
descobriu ser um ótimo tocador de viola. Foi ele, aliás, quem produziu o
primeiro álbum de Seu Ico, aos 65 anos (o violeiro já lançou três). Já Eva
Maria dos Anjos, a sexta música do CD, gravada com a participação da cantora
Fabiana Cozza, leva o nome da avó paterna.
Filho de pai piauiense e mãe
pernambucana, nascido e criado em São Miguel Paulista, um bairro de nordestinos
na Zona Leste de São Paulo, Edvaldo Santana conheceu a avó quando tinha 6 anos.
"Meu pai era um operário ligado a movimentos políticos e, como a situação
não estava boa aqui, ele levou a gente para o Piauí. Mas o sertão estava brabo
também. E minha avó ajudou muito a gente", conta ele, o mais velho dos
oito filhos, que na letra de Eva Maria dos Anjos diz ter uma foto da avó,
"cabocla tupi", mas na verdade nem tem. "É liberdade de criação
do poeta, me lembro dela vagamente", ele ri.
Em movimento
Simpático, bom de bola e
sempre na ativa ("quem se movimenta recebe, quem se desloca tem
preferência", gosta de dizer), Edvaldo começou a trabalhar aos 12 anos e,
aos 20, já tinha a música como profissão. Com sua primeira banda, a Caaxió
(depois rebatizada de Matéria Prima), chegou a ter 10 músicas censuradas num
show no Teatro de Arena, em 1974. Ligado a movimentos universitários, viajou
Brasil afora, acompanhou as primeiras ocupações do que viria a ser o Movimento
dos Sem Terra (Piá, a única antiga do novo disco, é dessa época, foi composta à
beira de um rio em Ponta Grossa, no Paraná). "Sempre fui envolvido com
esse lado social, porque venho do povo, das dificuldades", justifica.
A voz rasgada (ele tem calo
nas cordas vocais) lhe rendeu dois apelidos: Pato Rouco e Tom Waits da
Pauliceia (ele ri dos dois). Também o aproximou um pouco mais do blues,
marcante em seu trabalho desde o primeiro disco solo (Lobo solitário, de 1993).
"Na verdade, o blues veio mais pela ligação com os renegados, e isso tem a
ver tanto com os negros americanos quanto com o povo nordestino", comenta.
"Se pegar o que Luiz Gonzaga canta — A volta da Asa Branca, por exemplo —
e diminuir o beat, deixar mais lento, você vai ter a linha de blues, até
harmonicamente."
Edvaldo cresceu ouvindo
Gonzagão, Jackson do Pandeiro, Pixinguinha, Waldir Azevedo e toda aquela
diversidade musical dos programas de televisão dos anos 1960 e 1970 (Wilson
Simonal, Elis Regina, Roberto Carlos, os festivais etc). Na lista de
influências, também entram Jimi Hendrix, Janis Joplin, Carlos Santana, Raul
Seixas, os tropicalistas, Bob Marley… E, claro, seus parceiros famosos, como
Tom Zé, Leminski e Arnaldo Antunes, com quem teve "experiências
fantásticas".
Aos 56
anos (o aniversário é em 17 de agosto), o alquimista segue circulando (a turnê
de Jataí começa em setembro e ele sonha tocar um dia em Brasília), compondo sem
parar. "É meu grande trunfo. Porque a gente pode não ter dinheiro, mas se
tem arte, está bom, né?"
JATAÍ
Sétimo disco solo de Edvaldo
Santana. Lançamento independente, com distribuição da Tratore, 13 faixas. Preço
médio: R$ 20. ****
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