RENATO TEIXEIRA POR ELE
MESMO
Confesso que não é nada fácil
ter que contar minha história. Viver é uma coisa tão normal, que não vejo
diferença nenhuma entre a vida de um artista e de qualquer pessoa. Entretanto,
num determinado momento de nossa carreira, o trabalho que realizamos começa a
ganhar notoriedade e a curiosidade aumenta, então a gente conta alguma coisa...
Muitos estranham o fato da
minha música ter origens caipiras e eu ser caiçara, nascido em Santos. Vejo
isso como uma questão puramente familiar; são fatos circunstanciais, apenas.
Passei a infância em Ubatuba e a adolescência no interior do Estado. Meu pai
melhorou de emprego com essa mudança; eu e meu irmão já estávamos em idade
escolar; Taubaté, naquele momento, era mais conveniente. Mudamos para lá. E foi
muito bom! A música, em Ubatuba, já fazia parte do meu dia-a-dia.
Das atividades familiares a
que mais me interessava era a música; todos tocavam e alguns eram,
verdadeiramente, músicos. Eu poderia ter sido fogueteiro como meu avô Jango
Teixeira, que tocava bombardine na banda. Poderia ter sido professor como meu
avô paterno, Theodorico de Oliveira, que tem uma linda história intelectual com
a poesia e a literatura.
Mas a música não me deixou
espaços. Quis ser arquiteto por influência de um verso de Manuel Bandeira
pregado na parede do atelier do Romeu Simi,; " Passou a arquitetura, ficou
o verso." Vim para São Paulo no final dos anos sessenta, por indicação de
Luiz Consorte que colocou uma fita com minhas músicas nas mãos de seu tio,
Renato Consorte, que a enviou para os ouvidos do Walter Silva. Dei sorte! O
Walter era um grande promotor de novos artistas e um homem muito conhecido nos
meios de comunicação. As portas se abriram e, logo eu estava no Festival da
Record de 67. Minha música era Dadá Maria e foi defendida pela Gal Costa
(também em começo de carreira) e pelo Silvio César. Mas, no disco do festival,
quem canta com Gal sou eu. Foi minha primeira gravação. Participei daquela fatia
da história da MPB como um espectador privilegiado.
Sempre procurei conhecer a
nossa história musical, ouvir todas as canções e todos os gêneros. Do samba à
música caipira. Em tudo que ouvi sempre deparei com o talento e a vocação dos
compositores brasileiros. A geração musical que frutificou da Bossa Nova, nos
anos sessenta era chocante. Uma linda síntese de tudo que aconteceu de
essencial na música brasileira até então. Foi uma festa. Ouvi a Banda do Chico
em São José dos Campos, antes do festival e foi um impacto inesquecível. Ainda
morava em Taubaté.
Ouvi Milton Nascimento antes
do sucesso, e era deslumbrante. Todos que o conheceram nessa época, já tinham
por ele uma admiração que só os grandes mitos podem desfrutar. Vimos e ouvimos
Elis, todos os dias. Assisti bem de perto o surgimento do Tropicalismo. Na
virada dos anos sessenta para os setenta a música silenciou. Fui fazer jingles
publicitários para sobreviver. Acontece que gostei muito do assunto.
Enquanto atuei nessa área
consegui realizar um bom trabalho, pois criei jingles que fizeram muito sucesso
como aqueles do Ortopé, do Rodabaleiro e do Drops Kids Hortelã, que muita gente
lembra até hoje. Nesse tempo já havia me identificado totalmente com a música
caipira. Participei efetivamente da Coleção Música Popular Centro Oeste/
Sudeste do Marcos Pereira onde gravei algumas canções; entre elas:
"Moreninha Se Eu Te Pedisse ". Com meus lucros publicitários e em
parceria com
Sérgio Mineiro, criei o Grupo
Água, que nós dois bancávamos.
Tocávamos sem visar lucros.
Foi com esse grupo que consegui assimilar o espírito da cultura caipira e
projetá-la de uma forma contemporânea para todo o Brasil. Tocamos muitos anos
juntos até que, um dia, a Elis gravou Romaria e convidou o grupo para
acompanhá-la na gravação. Foi um grande sucesso que mudou minha carreira e
criou um grande espaço para que a música do interior paulista invadisse o
mercado. Hoje vivemos um processo seletivo e a tendência é que, cada vez mais,
as pessoas entendam o que Elis quis dizer, quando gravou Romaria.
A parceria com Almir Sater é
um grande momento na minha história. Juntos compomos alguns sucessos que são
fundamentais para a sustentação das nossas carreiras. As mais conhecidas são Um
Violeiro Toca e Tocando Em Frente. Outra parceria importante foi com a dupla
Pena Branca e Xavantinho. Nosso encontro foi em Aparecida do Norte no início
dos anos oitenta e, juntos gravamos o disco "Ao Vivo em Tatuí", que
se transformou num marco no gênero. Aprendi muito com esses dois companheiros,
verdadeiros representantes da cultura caipira.
A morte de Xavantinho foi
prematura, sua partida impediu que pudéssemos usufruir mais da voz deste que,
na minha opinião, foi um dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos.
Meu projeto de vida é dar continuidade ao meu sonho de divulgar e difundir cada
vez mais o espírito do caipirismo valeparaíbano; não pela repetição das velhas
formas e sim pelo potencial que esse Universo cultural oferece para que, como
sempre, a música brasileira avance em direção ao futuro, coerente com a
evolução, naturalmente moderna.
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