Eduardo Vessoni
Aos 87 anos, Zabé da Loca
parece ter vindo ao mundo inclinada a se opor a ordens impostas. É do agreste
pernambucano, mas os duros anos sobre os solos áridos do Cariri lhe ensinaram a
ser paraibana; tem idade avançada, mas ainda fuma cigarros caseiros enrolados
por ela mesma; ganhou do governo uma casa simples e espaçosa, mas a alma ainda
não conseguiu esquecer a colina íngreme que fica a poucos metros da atual
residência. É ali que fica a rocha onde Zabé da Loca morou com os filhos
durante 25 anos.
Conhecida como a Rainha do
Pífano, Zabé, de estrutura frágil e humor afiado, começou a carreira há oito
anos, quando foi descoberta por funcionários do Ministério do Desenvolvimento
Agrário que estavam na região envolvidos em um projeto social com famílias
agricultoras do semi-árido nordestino. Ela tinha 79 anos e chamou a atenção,
pois sua casa era o interior de uma rocha localizada no alto de um morro
íngreme.
Entre aquelas pedras, seus
filhos levantaram paredes de taipa, com direito a porta e janelas, após
perderem uma casa próxima dali, consumida pelo tempo. Sem ter onde morar,
decidiu carregar seus filhos para dentro das duas rochas paralelas e de lá só
saiu duas décadas e meia depois.
Essa tocadora de 'pife', como
o instrumento é conhecido popularmente, aprendeu a arte com o irmão, aos 7
anos, e desde 2003 já se apresentou em diversas capitais brasileiras.
Zabé é famosa, mas não saiu
do seu lugar e leva a vida com uma simplicidade única que só quem já esteve
naqueles territórios áridos consegue compreender. O pífano, flauta rústica, é a
sua principal conexão com o resto do mundo. Há 6 anos ganhou uma casa do Incra,
pintada de azul e com um banquinho de frente para a estrada de terra onde Zabé
relembra, nostálgica, os anos em que esteve naquele pedaço improvisado no alto
da serra.
“O melhor é morar no mundo
pedra, mas para fazer show eu desço a serra”, conta Zabé, referindo-se à época
em que saía da antiga residência mais vezes para se apresentar em outras
cidades. “Eu moro aqui, mas não eu gosto. Eu sou filha de mocó”, descreve Zabé
fazendo referência a esse roedor típico das áreas rochosas da caatinga.
A musicista tem uma disposição
física impensável para pessoas de sua idade, mas a saúde agravada pelo passado
de vícios como o cigarro e o álcool já não permite que Zabé aceite o convite de
voltar a visitar a loca, como é chamada a gruta.
Ela gosta mesmo é de fazer
shows. Já foi para tantos lugares que nem sabe mais qual foi o melhor.
“Qualquer canto é canto. Eu sou de todo lugar”, explica Zabé. Com esse
desprendimento, acumula na bagagem a gravação de três álbuns, um prêmio de
Revelação da Música Popular Brasileira na 22a edição do evento -- no qual
dividiu o palco com Lenine e Chico César --, além de emprestar seu nome
artístico para um festival de cultura popular de Monteiro, que em 2011 reuniu
no mesmo palco a própria Zabé e as Ceguinhas de Campina Grande, outras figuras
paraibanas famosas.
Zabé ama música e não tem
preferência por estilo. “Tudo eu acho bom”, conta a autora dos trabalhos “Da
Idade da Pedra” (1997), “Canto do Semi Árido” (2004) e “Bom Todo” (2008). Seu
som inconfundível e seu humor inteligente colocou a pequena Monteiro, município
com 100 comunidades rurais a 300 km da capital João Pessoa, no mapa da música
popular, e Zabé se tornou uma das principais
atrações da região.
A tocadora de pífano parece
disposta a tirar o melhor proveito da vida e, assim como a letra de uma das
canções de seu último CD, "Bom Todo", saiu de casa 'pra beber água no
mundo' e, quando se deu conta, 'tinha um mundo para nadar'. “Daqui eu só saio
quando Deus quiser”, diz Zabé.
Parabéns pelo post! Mulher e música incrível! E um viva a nossa cultura nordestina/brasileira!
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