A Música Potiguar é
Brasileira. O conceito regionalista empregado à produção musical
norte-rio-grandense é banhado de discriminação. Não se ouve classificações limitantes
em composições do Sul Maravilha, mesmo características de guetos ou regiões,
como o Samba ou a Bossa Nova. É música brasileira, como o maracatu pernambucano
ou o côco de zambê potiguar. Como a voz de trovador e a melodia refinada de
Galvão Filho.
É fácil identificar a
brasilidade potiguar nas composições do caçula da família Galvão. O coração da
alecrinense Avenida 10 ou as manifestações mais genuínas do folclore cascudiano
estão impregnados em cada sílaba pronunciada ou verso tocado. Sem provincianismo.
Apenas a "cantiga sagrada de um tempo bom", de uma alma sertaneja,
como canta em seu quatro Cd Achados e perdidos. O lançamento será hoje, às 19h,
na Capitania das Artes.
O novo trabalho de Galvão
Filho sintetiza a carreira enrraizada desde cedo pela semente da
nordestinidade. É mais do mesmo. E o mesmo é sempre novo; contemporâneo, como
conceituam os modernos. A produção é mais refinada. As composições conservam o
joio característico da música de Galvão Filho, mas se despem da linguagem pouco
palatável dos folguedos e adentra a melodia mais pop. O resultado é primoroso.
O projeto gráfico inspirado
na arte da marchetaria do mestre Ulisses Leopoldo e do filho Timba Galvão
imprimem charme peculiar ao Cd. Chico Santeiro, da arte em madeira, também é lembrado,
como também outros nomes da "memória social popular potiguar". Estão
todos na letra de Reza, como outros chicos: o Traíra e o Antônio. Ainda Jorge
Fernandes, Zé Menininho, Fabião das Queimadas, Severino Galvão, além de
folguedos como o Araruna e a Boi de Reis.
No release promocional do Cd,
o título Do Xote ao Maracatu talvez percorra um trajeto adjacente à verve das
músicas. Achados e perdidos passeia por outros caminhos. Até pela formação da
claque de músicos, como o contrabaixista Sergio Groove, a bateria de Di
Stefano, os arranjos de Franklin Nogvaes e o violão de Babal. Verdade que a
sanfona de Zé Hilton empresta algum for all. E o que dizer, então, do
clarinete, rabeca e violoncelo de algumas canções? E do samba de A janela do
sol poente, em parceria com Chico Morais?
A mescla de tudo é marca
influente de Galvão Filho. Desde os amplificadores de Chico Baracho, na
distante Avenida 10 das memórias infantis da família Galvão. "Tocava de
tudo. E eu, pequeno, ouvia Luiz Gonzaga, João do Vale, Ari Barroso". E em
casa, ouvia a instrumentação de cordas dos irmãos mais velhos. "Recebi um
pandeiro. Se fosse um violão eu quebrava porque era muito pequeno. A percussão
foi minha grande influência musical", atesta Galvão.
A família percurssiva levou
Galvão Filho aos terreiros para aprofundar o conhecimento da instrumentação.
"Sem condições de pedir outros instrumentos à minha mãe, visitava
terreiros para aprender atabaque, ilu. Aprendi os macetes que só a prática
ensina". A intimidade com as raízes da música empurraram Galvão às
pesquisas dos ritmos genuínos da cultura local - universais em suas origens.
"Descobri, por exemplo,
que o côco de zambê tocado aqui é diferente, com dois tambores (um grave e
outro agudo, responsável pelo contracanto) e uma lata. O cabocolinho também é
tocado de um jeito próprio aqui. Essa influência está presente desde o início,
quando mestre Geraldo, do côco de zambê de Tibau do Sul, abre meu primeiro Cd
Na palma da mão. E depois vieram Forró pra valer e Coco pra vadiar.
Galvão venceu o bombardeio do
universo beat, beatle e hippie dos anos 60 e 70. Sua Jovem Guarda foi
transfigurada no grupo O Bando de Natal, formada pelos músicos Enock Domingos
(parceiro em quatro canções deste último álbum) e os irmãos Babal e João
Galvão. A proposta do grupo foi repensar a música nordestina com visão
modernista. O grupo atravessou incólume os anos 70 até bater a porta da nova
década transviada pelo consumismo.
Dono hoje de um acervo de
composições autorais das mais ricas do Rio Grande, Galvão coleciona shows ao
lado de nomes expressivos da Música Popular Brasileira, como João do Vale,
Marinês e sua Gente, Julinho do Acordeom, Xangai, Zeca Baleiro, Cascabulho e Zé
Ramalho. Sua música A energia dos cristais está no repertório de Alcimar
Monteiro. Mas bom mesmo são as do seus Cds; verdadeiros achados do do
cancioneiro da Música Potiguar Brasileira.
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