Não poderia existir um
conceito que definisse melhor o trabalho de Flavia Wenceslau do que o título de
seu mais recente disco: Saia de Retalho. Transitando facilmente entre os vários
estilos da música popular brasileira, as canções que apresenta ao público
denotam uma variedade surpreendente de influências dentro de seu trabalho, que
vão assumidamente de Maria Bethânia e Fafá de Belém a Janis Joplin e Freddie
Mercury. Isso acabou formando uma cantora/compositora ímpar, cuja técnica vocal
refinada, aliada a uma interpretação repleta de sentimento, vem conquistando
crítica e público.
Nascida em Nova Floresta, na
Paraíba, Flavia teve a música como sua companheira natural desde a mais tenra
idade, estimulada por um ambiente no qual a melodia era rotina familiar. Já
adolescente, transitou entre as bandas de baile e apresentações acústicas e
intimistas no circuito da noite e em festivais. Duas décadas, um troféu Caymmi,
música em trilha de novela e todo um universo multicultural brasileiro depois,
o que temos é uma artista experiente, livre de rótulos e disposta a
surpreender.
E surpresas são fartas numa
primeira (ou segunda, ou terceira…) audição de Saia de Retalho. “Se Eu Puder
Voar” faz o CD começar num clima ameno e conhecido, mas ainda assim já
demonstra o poder da voz e da interpretação da artista. É música para dançar,
mas a letra preciosa – coisa tão em falta nas rádios populares de hoje em dia –
dá ao ouvinte uma noção do que virá adiante. “Pra Ver Tanajura” remete aos
sonhos e imagens da infância interiorana, mas não há nostalgia aqui, apenas
celebração – o ritmo ainda é tão convidativo quanto a da faixa anterior.
Voz e violão imperam em “Você
Que Vai Chegar”, uma daquelas canções em que imagens de esperança arrancam em
pouquíssimo tempo um sorriso do ouvinte. Em conjunto com a música que se segue
e dá nome ao disco, demonstra com mais exatidão a Flávia Wenceslau instrumentista,
cuja técnica amadureceu juntamente com a voz nos tantos anos de estrada. O
título do CD aqui se justifica: o som que Flávia oferece passeia livremente por
ritmos distintos, mas que mantêm a coesão graças ao seu timbre singular, que
costura tudo isso num trabalho bem característico. A beleza e a diversidade de
uma saia de retalhos em formato sonoro.
Tudo isso em arranjos simples,
mas notáveis, como prova o regional novamente em evidência em “Filha do Mar”,
em que Flávia duela gentilmente com a voz grave de Mariene de Castro, e
“Borocochô”, que reafirma o convite para dançar feito no início do disco.
Quando o corpo já se rendeu ao ritmo das anteriores, vem “Pra Você Cuidar” e
conquista o sentimento do ouvinte, no caso improvável disso ainda não ter
acontecido. Nem tente passar incólume pela doce combinação de letra e melodia,
não há como resistir. Ela se localiza no disco entre duas performances
preciosas do refinado vocal de Flavia, “Carona de Beija-Flor” e “Te Desejo
Vida”. Não é precipitado, com base nelas, já posicionar a cantora num lugar de
destaque em nosso panteão de vozes femininas marcantes.
“Para Luísa” e “Love My Way”,
esta contando com a participação de Margareth Menezes, finalizam o disco sem
deixar com que as sensações acumuladas até aqui se percam, no belo cenário
montado pelo imaginário que a voz da
cantora sugere. Temos sinceridade, temos sentimento: ela é exatamente aquilo
que canta, sem afetação ou modismos. Experimente Saia de Retalho com a certeza
de que está se expondo a uma obra única, visto que Flavia Wenceslau é uma
artesã da boa música. Pode esperar o melhor dela, sempre.
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