O fado no sentido
Na arte e vida de Cristina
Branco (Almeirim, 1972) pode dizer-se, como diz a letra de Amália, que traz o
fado nos sentidos. O fado atravessou a vida de Cristina por um acaso feliz. De
certa maneira, terá sido ela, pela sua ousadia estética e cunho interpretativo
muito particular, a atravessar o Fado enquanto fenómeno musical de profundas
raízes tradicionais. «Começou por uma brincadeira, um serão de cantigas entre
amigos», segundo gosta de recordar. Nada até aqui, adolescente, a diria
fadista. Antes de entoar menores, mourarias ou maiores, e logo como gente
grande, Cristina não frequentara casas de fado ou escutara o vinil das vozes da
tradição. Conhecia alguns fados de ouvido, trauteados pelo avô materno, letras
e acordes que repetia de improviso sem ter consciência de como estes se
entranhavam, como lhe decidiam o destino. Estava por essa altura mais próxima
de Billie Holliday e Ella Fitzgerald, de Janis Joplin e Joni Mitchell do que
Amália Rodrigues. Quando o mesmo avô lhe ofereceu pelos seus 18 anos o disco
“Rara e Inédita”, obra maior e menos conhecida da grande diva do Fado, não
sabia ainda como acabara de lhe mudar a vida para sempre.
Na verdade, escassos meses
antes de pisar um palco a primeira vez, em Amesterdão (1996, Zaal100), Cristina
nunca se imaginara sequer uma intérprete amadora ou cantadeira de horas vagas
como é próprio de muitos fadistas que encontram no fado um pretexto de ócio ou
expiação. Se havia fado na sua vida de adolescente, era apenas no mais profundo
sentido etimológico da palavra (o fatum, o destino) que a dizia já “fadada”
para a palavra. Até 1996, aos 24 anos, duas ou três experiências de canto
fortuitas, e arrancadas a custo da sua timidez histórica, eram tudo o que havia
feito publicamente enquanto “cantora”.
O Jornalismo era “a arte” que
procurava. Talvez por isso, hoje e sempre, as palavras (os redondos vocábulos,
como lhes chama) rejam todos os seus discos, todas as suas intervenções, todos
os seus projectos em curso. Cantora de poetas, os maiores de Portugal (Camões, Pessoa,
David Mourão Ferreira, José Afonso…), e alguns do mundo (como Paul Éluard, Léo
Ferré, Alfonsina Storni ou Slauerhoff), Cristina Branco fez do seu modo de
entender o fado uma espécie de porta-voz da Poesia e da Literatura do
cancioneiro nacional. Por isso mesmo, os seus pares reconhecem-lhe, como marca
de personalidade humana e artística, um fortíssimo e muito sincero pendor
poético. Traço maior aliado a uma exigência ainda maior com os rigores da
dicção e a clareza da palavra que na hora de ser voz (de uma límpida volúpia) é
como se desse corpo à alma contida no poema.
Depois, do Fado espera-se em
demasia que este traduza o sentimento trágico da vida: o sofrimento, a saudade
e a impotência perante o destino. A tradição já longa do Fado depositou algumas
“fórmulas” para dar voz a esses sentimentos, cuja invariável repetição tem
conduzido à delapidação desse tesouro expressivo, ao seu inevitável
esvaziamento emocional, ao sobrevoar das palavras pelos cantores. Porém, e ao
arrepio dos cânones mais ensimesmados do Fado dito tradicional, o caminho de
Cristina Branco tem sido outro: autónomo, singular e muitas vezes ébrio de
alegria (como no tema iconográfico da sua carreira «Sete Pedaços de Vento», in
Ulisses). No mínimo, o caminho do Fado de Cristina reveste-se da volúpia do
aborrecimento.
Sem procurar uma ruptura
ingénua com a tradição, antes procurando o que nela há de melhor (oiçam-se
alguns dos "clássicos" por ela cantados), Cristina Branco reanima a
tradição com a sua originalidade. Em todos os seus discos tem procurado o
exigente convívio dos textos com a musicalidade inata do fado.
Cristina Branco reúne toda a
emoção que o género podia conter na sua íntima ligação entre voz, poesia e
música. Tal como outros jovens músicos que, desde meados dos anos 90,
encontraram no Fado a sua forma de expressão, contribuindo para uma
surpreendente renovação da Canção de Lisboa, Cristina Branco começou a definir
o seu percurso, onde o respeito pela tradição caminha lado a lado com o desejo
de inovar. Se nada na vida de Cristina indicava que o seu destino seria o fado,
temos hoje de admitir que Cristina Branco está a criar um estilo senão “raro”,
certamente “inédito”.
Pontos Altos
A cantora grava
"Cristina Branco Live in Holland", em edição de autor, registado ao
vivo em dois concertos realizados no dia 25 de Abril de 1996. Foram feitos mil
exemplares "que se venderam imediatamente", logo seguidos por novas
edições sucessivas, até se chegar aos 5000 discos vendidos.
Edita o disco
"Murmúrios" pela editora holandesa Music & Words. O disco reúne
14 temas, desde fados tradicionais como "Abandono" (imortalizado por
Amália, com texto de David Mourão-Ferreira) a versões de Sérgio Godinho
("As certezas do meu mais brilhante amor") ou de Luís Vaz de Camões,
com música de José Afonso ("Pombas brancas"). A maioria dos temas tem
assinatura de Maria Duarte, autora dos textos, e músicas de Custódio Castelo.
Recebe, em França, em 1999, o
Prix Choc da revista "Le Monde de la Musique" pelo melhor disco de
“Música do Mundo”.
Em Fevereiro de 2000 sai o
álbum "Post-Scriptum" (título de um poema de Maria Teresa Horta).
Conquistou o Prix Choc, desta vez para o melhor álbum do mês de Março, em
França.
Na Holanda edita o disco
"Cristina Branco Canta Slauerhoff", o segundo desse ano, com textos
do poeta holandês J. J. Slauerhoff (1925-1976) Jan S. (1898-1936), com tradução
de Mila Vidal Paletti e música de Custódio Castelo. O disco constitui como que
uma prova de agradecimento de Cristina Branco ao país que lhe abriu as portas
do sucesso embora nunca tenha vivido na Holanda.
Durante o ano de 2000, a
cantora realizou cerca de 130 espectáculos por todo o mundo. O disco
"Corpo Iluminado", o primeiro com edição da Universal Music Classics
França, foi editado em 2001.
Em 2002 é reeditado "O
Descobridor", novo título para o disco onde canta Slauerhoff, com três
novos temas.
O sexto álbum de Cristina
Branco, de título "Sensus" foi editado pela Universal, no dia 24 de
Março de 2003. A música é assinada por Custódio Castelo. O álbum conta com
letras de David Mourão-Ferreira, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Eugénio de
Andrade, Camões e Shakespeare, entre outros.
"Ulisses" é o nome
do disco seguinte, editado em 2005.
Em 2006 é editado «Live», um
registo ao vivo, tributo a Amália Rodrigues.
Em 2007, com “Abril”,
revisita a obra do cantautor Zeca Afonso.
Em Março de 2009, Cristina
Branco Cristina Branco deu a conhecer o seu novo disco, “Kronos”, que tem por
tema unificador o Tempo e é constituído por canções inéditas compostas por uma
dezena de criadores muito diferentes: José Mário Branco, Sérgio Godinho, Amélia
Muge, Rui Veloso, Vitorino, Janita Salomé, Maestro Victorino d’Almeida, Mário
Laginha, Carlos Bica, João Paulo Esteves da Silva e Ricardo Dias.
Em 2010, Cristina Branco é o
rosto português escolhido pelo pintor Júlio Pomar como inspiração para a
criação de um selo e serigrafia comemorativos do centenário da República
Portuguesa.
Em Junho deste mesmo ano,
Cristina Branco, juntamente com Carlos Bica e João Paulo Esteves da Silva,
enfrenta um desafio invulgar, ao participar no festival de homenagem a Robert
Schumann, em Dusseldorf, projecto posteriormente apresentado no CCB e no Goethe
Institut do Porto.
Cristina Branco começa o ano
de 2011 com uma participação na tournée anual de Ano Novo da Sinfonietta de
Amsterdam. Depois de músicos como Bobby McFerrin, Chick Corea e Roby Lakatos, e
depois de ter participado já nesta tour em 2006, Cristina Branco volta a
acompanhar a orquestra, numa série de seis concertos.
Também em 2011, Cristina
Branco apresenta o seu novo trabalho “Não há só Tangos em Paris”, de onde
sairão palavras de Manuela de Freitas, António Lobo Antunes, Vasco Graça Moura,
Carlos Tê, ou Miguel Farias, vestidas por sons saídos da inventiva de Mário
Laginha, João Paulo Esteves da Silva, Pedro Moreira e também a música de
Jacques Brel, Carlos Gardel e Isolina Carrillo, - unificadas pela voz
simultaneamente suave e profunda da cantora… Novas sonoridades mas com o Fado
sempre presente.
Entre 2011 e 2012, Cristina
Branco apresenta “Não há só Tangos em Paris” em mais de cem concertos, um pouco
por todo o mundo. Vai à América do Sul e ao Médio Oriente e, percorrendo a
Europa, chega quase ao círculo polar, com duas digressões na Escandinávia. A
estes concertos, juntam-se ainda mais de duas dezenas de outros projectos
especiais em parceria com outras formações, entre os quais se destaca a
participação da cantora no concerto de abertura de Guimarães, Capital Europeia
da Cultura.
Fevereiro de 2013 assiste ao
lançamento do 12º CD da cantora – “Alegria” - um retrato, com tanto de cru como
de irónico e sensível, do homem e da mulher de todos os dias, do café, do fim
da rua, do virar da esquina, de qualquer parte do país ou largado no mundo.
Para dar corpo e a alma às personagens de “Alegria”, Cristina Branco contou com
a colaboração de alguns dos seus poetas e compositores favoritos: Manuela de
Freitas, Gonçalo M. Tavares, Miguel Farias, Jorge Palma, João Paulo Esteves da
Silva, Pedro Silva Martins, Mário Laginha, Ricardo J. Dias, são os responsáveis
pelos temas originais do álbum que inclui também temas compostos por Sérgio
Godinho, Chico Buarque e Joni Mitchell.
E depois de dezassete anos de
carreira e de centenas de canções gravadas e cantadas em palcos de todo o
mundo, Cristina entendeu que era altura de fazer uma espécie de balanço. Um
balanço dinâmico, sem nostalgias inúteis e virado para o futuro. Daí resultou
uma escolha nem sempre fácil, feita a partir de um repertório rico e variado,
uma espécie de “lista ideal”; apontados para o futuro há três temas novos que
integram o triplo CD: um fado tradicional e duas canções originais com letras
de Mário Cláudio. Os novos temas juntam-se à “lista ideal” das canções saídas
do grande baú dos treze discos gravados, o que, somado aos ideais estéticos,
interpretativos e de vida de Cristina Branco, teve como resultado o triplo CD
“Idealist”.
Discografia
1 - Cristina Branco in
Holland (CD, Ed. Autor, 1997)
2 - Murmúrios (CD, Music
& Words, 1998)
3 - Post-Scriptum (CD,
L'Empreintdigitale/Harmonia Mundi, 1999) - reeditado em 2000 com um novo tema
4 - Cristina Branco canta
Slauerhoff (CD, 2000)
5 - Corpo Iluminado (CD,
Universal, 2001)
O Descobridor (CD, Universal,
2002) - reedição de Slauerhoff
6 - Sensus (CD, Universal,
2003)
7 - Ulisses (CD, Universal,
2005)
8 - Live (CD, Universal,
2006)
9 - Abril (CD, Universal,
2007)
10 - Kronos (CD, Universal,
2009)
11 - Não há só Tangos em
Paris (CD, Universal, 2011) (Fado /Tango na edição internacional)
12 - Alegria (CD, Universal,
2013)
13 - Idealist (CD, Universal,
2014)
Nenhum comentário:
Postar um comentário